Magic: the Gathering

Opinion

E se Universes Beyond se tornar o Magic: The Gathering ?

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Magic está passando por um processo que se tornou o padrão da Hasbro em outros de seus produtos, e Universes Beyond será um sucesso de vendas. Mas e se ele for tão lucrativo ao ponto de o card game deixar de ser sua própria marca para se tornar um sistema?

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revised by Tabata Marques

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Table of contents

  1. > A identidade de Magic é o próprio jogo
  2. > Hasbro-ificação
  3. > Mas e o Magic como Jogo Competitivo?
    1. E se Universes Beyond começar a criar formatos?
  4. > Magic para além do TCG
  5. > Navegando em Mares Desconhecidos

Esses últimos meses foram bem movimentados para Magic: The Gathering. Entre o anúncio de três expansões de Universes Beyond, seis edições para o Standard em 2025 e outras novidades para o ano que vem, como Aetherdriftlink outside website e suas claras referências a obras como Akira e Mad Max, a comunidade do jogo tem debatido muito sobre o futuro.

Conforme nos distanciamos do dia dos anúncios, a cacofonia começa a silenciar e isso nos dá espaço para processarmos melhor as informações e elaborarmos algumas ideias sobre o assunto - uma delas, como mencionei em outro artigo, é a preocupação com a falta de senso de identidade que Magic pode sofrer nos próximos anos, uma crise que ela já tem enfrentado desde que passou a insistir demais em tropos como em Duskmourn ou Murders at Karlov Manor.

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No ideal, a Wizards entenderia que Universes Beyond é um produto especial e deve ser tratado como tal: três expansões no ano tiram a sensação de “ser especial”, e consequentemente, tornam expansões como Final Fantasy, Marvel ou qualquer outra que vier no futuro em “apenas outro produto”.

Essa mesma Wizards, entretanto, é uma subsidiária da Hasbro. No fim, é ela quem dá as ordens às quais a equipe de design de Magic: The Gathering segue. Com três expansões de Universes Beyond em 2025, a mensagem é clara: “nós temos interesse em ampliar nosso catálogo de parcerias em um dos nossos produtos mais lucrativos”*.

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Universes Beyond vai vender. Se havia qualquer dúvida disso, basta ver como o Secret Lair x Marvel gerou filas de horas e esgotou tão rápido quanto um show internacional de data única em um estádio no Ticketmaster - não há como mensurar o potencial que Spider Man tem de superar Lord of the Rings como expansão mais vendida de todos os tempos, e Final Fantasy não deve ficar muito atrás, apesar da franquia estar em um nicho mais específico, e se presumirmos que o terceiro set seja Game of Thrones, tenho certeza que ele venderá tanto quanto as demais parcerias.

Nos últimos dias, pela certeza do sucesso de Universes Beyond, andei pensando no sentido reverso: ao invés de ficar apreensivo com a ideia de três sets de crossovers e o que isso pode significar para o futuro, imaginei como, dado os números, é provável que esse se torne o “novo normal” ou, ainda, que chegue um momento onde Magic seja apenas uma IP em um aglomerado de marcas em um sistema de jogo - um pensamento digno de calafrios em qualquer fã de longa data de Magic que acompanhou as mudanças nos últimos anos.

A identidade de Magic é o próprio jogo

O que define Magic: The Gathering? As cartas? Mana? Planeswalkers? Sua capacidade de construir mundos com culturas e histórias distintas no seu multiverso? Que parte dele é seu senso de identidade e une toda a comunidade em torno do jogo?

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Antes de ser qualquer coisa, Magic é um conjunto de regras e mecânicas somadas em pedaços de papelão que podem ser combinados em um maço de cartas para jogar contra seus oponentes. Seja você alguém que joga na mesa de cozinha, no MTGArena no celular, na casa de amigos com Commander, ou nos grandes torneios competitivos, a linguagem que você e todos ao seu redor envolvidos com MTG entendem é o conjunto de regras.

Quando me perguntam “como se joga Magic?”, minha primeira resposta é algo como “terrenos geram mana, você precisa de mana para jogar suas mágicas, você deve derrotar seu oponente e as cartas servem para alcançar esse objetivo”. Sim, é muito simplista e há uma série de nuances, regras e mecânicas no meio disso, mas o conceito básico de Magic: The Gathering é baseado neste conceito - essa é a primeira coisa que qualquer pessoa precisa entender antes de jogar Magic, a partir daí e de um conhecimento elementar de regras (um terreno por turno, fase de combate, compra e etc - todas com o adendo a menos que um card diga o contrário), uma pessoa pode fazer o que ela quiser com Magic e seguir qualquer caminho que ela quiser.

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Para jogar Magic, uma pessoa não precisa entender o conceito de o que é um Planeswalker, mas sim como um card de Planeswalker funciona. Não é necessário compreender o que é Dominaria ou se importar com o Teferi - essa pessoa só precisa gostar do jogo, conhecer as regras e se divertir. O resto surge a partir desse ponto, e não é necessário o consumo de qualquer produto complementar (livros, HQs, etc.) para manter a pessoa engajada.

Sim, Magic perde muito da sua essência narrativa quando deixa de lado a sua identidade e estética própria: pessoas que gostam, por exemplo, do romance entre Chandra e Nissa e que talvez tenham se envolvido mais no jogo por causa delas ficariam desapontadas se o jogo fosse apenas um aglomerado de IPs. Os arcos narrativos, como os de Phyrexia ou a Saga de Urza deram ao jogo o que ele precisava para se consolidar no mercado.

Mas Magic já tem 30 anos, ele já está consolidado, ele já é um dos, se não o maior, TCG do mundo e o cimento dos seus pilares foi e continua sendo o próprio jogo, seu conjunto de regras e sistemas e a maneira como esse aproxima pessoas.

Hasbro-ificação

E enquanto Magic: The Gathering se consolidou nesse espaço, o mercado de TCGs nunca esteve tão forte, tanto dentro do jogo (o MagicCon Vegas foi o maior evento de Magic da história) quanto fora dele. Para mencionar alguns nomes de sucesso da indústria recente, temos Flesh and Blood, One Piece TCG, Lorcana, e uma dúzia de outros TCGs físicos que surgem a cada ano, além da consolidação de TCGs digitais como Marvel Snap e o recém-lançado Pokémon Pocket, que levantou aproximadamente US$ 120 milhões em três semanas.

Todos eles têm um ou dois traços em comum:

  • Eles possuem alguma derivação de Magic: The Gathering no seu sistema de regras, ou;

  • Eles são TCGs baseados em uma marca já existente e consolidada no mercado.

    Lorcana é o TCG da Disney, One Piece é a série de mangás em atividade mais assistida do mundo, e não é necessário explicar o que Marvel é, então a Hasbro olhou para o seu produto Magic: The Gathering, um TCG consolidado durante 30 anos e que, nesse período, lidou com diversos card games tentando repetir sua fórmula de sucesso. A empresa então olhou para esses potenciais competidores contra um dos seus maiores ativos de vendas, e a reação lógica foi de dizer: “Olha, nós temos o sistema, ele funciona há 30 anos. Vocês só precisam nos dar a autorização”.

    Com a decisão de tomar essa postura, deu-se início a série Universes Beyond quando o Secret Lair x The Walking Dead testou as águas, com a aprovação geral do público sendo registrada em como Lord of the Rings se tornou a expansão mais vendida de Magic e o Secret Lair da Marvel foi um sucesso absoluto de vendas, e através desses, Magic deu passos largos a uma transformação: alguns chamam de Fortnite-ificação, mas Fortnite nasceu com essa estrutura - o que acontece com Magic é uma Hasbro-ificação.

    Pense em um dos grandes clássicos da Hasbro: Monopoly. Uma breve pesquisa levou à descoberta de que existem caixas do jogo com parcerias que vão de Lord of the Rings e Pokémon até Britney Spears. Todos os produtos de Monopoly compartilham um mesmo conjunto de regras, com apenas algumas nuances personalizadas em determinados produtos para melhor se encaixar no tema proposto da caixa. Talvez, por isso, eles ainda sejam vendidos.

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    Magic compartilha esse mesmo traço, seu conjunto de regras é universal. O que existe nas cartas, seja ele um Phyrexian Obliterator ou um Wolverine, Best There Is, se adequa à maneira como o jogo funciona, portanto, qualquer coisa pode entrar em um pedaço de papelão: cartas do seu próprio universo, Sauron, Lord of the Rings, até o Bob Esponja.

    Em entrevista recente para a Bloomberg, Ken Troop, vice-presidente sênior do jogo, deu uma declaração que resume bem a filosofia que a Hasbro está seguindo com Magic e como essa, de fato, se encaixa no molde do que eles fizeram com outros produtos:

    “Pense em Magic como uma tela. O IP de Magic é uma das coisas que podemos colocar nessa tela, mas podemos colocar outras coisas nela.”

    - Ken Troop

    Tal qual na apresentação durante o MagicCon Vegas, fica evidente que a Wizards/Hasbro está separando Magic: o jogo de Magic: a propriedade intelectual. O jogo agora pertence também a quem quiser participar dele, de clássicos da cultura geek como Marvel até um clássico da juventude de uma safra de jogadores como Bob Esponja e, por mais assustador que pareça ter cantores em seus produtos como Monopoly tem, eles já cruzaram essa linha com Post Malone e Hatsune Miku.

    Por um lado, a lógica soa como um “Se fizemos com outros produtos, podemos fazer com Magic porque ele vende tão bem e as pessoas são tão apaixonadas pelo jogo que não importa se colocarmos um personagem de fora aqui”, mas, ao mesmo tempo, tem um certo ar de “se Fortnite fez, Magic pode fazer” porque ambos tentam pegar uma determinada demografia em comum.

    Mas e o Magic como Jogo Competitivo?

    Fortnite foi o primeiro game de relevância internacional a ser considerado pelo Comitê Olímpico Internacional como um eSport olímpico, e também possui sua própria estrutura competitiva, que incluiu um Campeonato Mundial com o prêmio de US$ 30 milhões em 2019.

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    O fato de os jogadores poderem usar qualquer personagem, cantor que já tenha feito alguma parceria, ou uma skin genérica do jogo não faz diferença no momento de definir Fortnite como uma modalidade de jogos competitivos e/ou categorizá-lo como e-sport. Então, o que tornaria Magic diferente nesse sentido para o público geral?

    Através do MTGArena, a Wizards tentou muito entrar no universo dos eSports e não conseguiu: sua proposta não atraiu tantos jogadores do nicho quanto o esperado, seu modelo de jogo não é tão recompensador para competir se você não investir pesado em tempo ou dinheiro, e o sistema do jogo não é tão intuitivo quanto Fortnite ou qualquer outro eSport ao ponto de qualquer um considerar que pode entrar no cenário competitivo - sem mencionar as diversas falhas estruturais no Arena que tornaram até dos Campeonatos Mundiais e outros torneios oficiais durante a pandemia em momentos muito embaraçosos.

    Com a expansão do seu jogo para outras IPs, há uma dúzia de caminhos que Magic pode seguir quando falamos dele como jogo competitivo. Por um lado, ele pode continuar como está e apenas existir uma rotatividade de nomes e marcas que passam pelo jogo no seu formato rotativo, enquanto os demais formatos, como o Pioneer, Modern ou Legacy, apenas lidam com a aglomeração de heróis e personagens fictícios de outros universos no jogo.

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    Se o plano for transformar Magic competitivo no aglomerado de IPs que junta centenas de milhares de pessoas com culturas distintas para assistir ao Mundial, essa proposta funciona no longo prazo agora que toda expansão de Standard dura três anos. Cloud Strife pode, em 2028, estar lutando contra o Dr. Octopus, mas também contra Jon Snow, o Homem-de-Ferro, Kratos e uma dúzia de outros personagens nas mesas de um Pro Tour. Outro pensamento apavorante para quem está no jogo há décadas, mas que pode chamar a atenção de outro público.

    E se Universes Beyond começar a criar formatos?

    Há outra rota - talvez paralela - que Magic pode seguir a partir deste ponto quando falamos de competitivo. Vamos supor que a parceria com a Marvel, por exemplo, dure o suficiente para sair uma ou mais expansões anuais durante cinco anos. Todas elas são válidas no Standard, mas todas elas também podem ser válidas no formato “Marvel”.

    Se Final Fantasy for acompanhado, em 2027, de um “Final Fantasy: The Spinoffs”, a Wizards já começa a abrir o leque para transformar FF no seu próprio sistema de Magic, com uma coleção saindo a cada X tempo para alimentar o jogo e criar, assim, uma rede entre todas as suas IPs onde alimenta cada uma delas para quem quer jogar seu próprio segmento enquanto oferece, através do Standard, um meio de condensar todos esses universos em um lugar e criar sua “versão de mesa de Fortnite”.

    E se Universes Beyond se tornar o seu próprio formato? Com uma legalidade que inclui Lord of the Rings e qualquer outra marca, mas com seu próprio conjunto de regras para tornar o jogo mais ou menos coerente com a proposta? O quão bem-recebido ele seria em comparação com o Standard ou o Pioneer já que determinados sets rotacionariam mais cedo que outros?

    Magic para além do TCG

    Há um motivo, entretanto, para a Wizards/Hasbro não negligenciar Magic: The Gathering como propriedade intelectual e nem sua construção de mundo - o universo do jogo é muito rico e com potencial para histórias que cativem fãs e pessoas que nunca ouviram falar do TCG no mundo todo, desde que feitos também fora do jogo.

    Entre a série da Netflix e os planos da empresa de ampliar seus investimentos em jogos digitais após o sucesso estrondoso de Baldur’s Gate 3 (mesmo que negligenciando a atribuição do sucesso à Larian Studios), há muito potencial para Magic: The Gathering fora do papelão colorido.

    Imagem: Netflix
    Imagem: Netflix

    Nos dê uma história comovente em uma série episódica, nos dê um jogo de RPG passando-se em Dominaria e/ou no Multiverso onde nosso protagonista é um Planeswalker viajando entre mundos, nos dê a possibilidade de, assim como em Baldur’s Gate, interagir com personagens famosos da lore, permita a quem nunca ouviu falar de Teferi a estabelecer um laço com ele, com seus dilemas e dramas, e nos dê motivos o suficiente para querer acompanhar o pequeno Loot e sua jornada com Jace e Vraska, ou nos faça reviver a famosa guerra contra Yawgmoth, vivenciar em alta qualidade - seja como jogo ou animação - os eventos da Saga de Urza.

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    Magic, e os 30 anos de história construídos em seu entorno antes da sua “Hasbro-ificação”, tem histórias e personagens incríveis e comoventes que poderiam desenvolver sua própria série de jogos, animações e outros produtos que fariam as pessoas se importarem mais com a IP do jogo, e consequentemente conhecerem tanto o TCG pelos seus crossovers quanto pelo seu universo rico onde, por vezes, reencontramos aquela famosa necromante que vimos em um dos jogos e/ou da qual acompanhamos seus dramas em um episódio da série “Origins”.

    Navegando em Mares Desconhecidos

    Honestamente, este foi talvez o artigo menos objetivo que já escrevi na Cards Realm. A maioria do texto reflete exclusivamente a possibilidade do futuro que Universes Beyond traz ao imaginar um mundo onde a IP “Magic” deixa de ser o produto principal para existir como algo complementar - caminho este que a Hasbro parece estar seguindo.

    Com a recente entrevista da Bloomberg, fica mais claro que o caminho que Magic está tomando não difere muito daqueles que a Hasbro tomou com seus outros produtos: vender seu sistema e conjunto de regras para quem quiser inserir sua marca ali.

    Por um lado, não é possível afirmar que eles estão errados porque o que compõe Magic: The Gathering tem a ver com o jogo. O Gathering acontece por causa dele, a união de comunidades, a paixão de quem joga os torneios, as incontáveis estratégias e jeitos de jogar o TCG são todos frutos daquilo que Richard Garfield apresentou como sistema de jogo em 1993, onde não existia ainda “Magic” como marca de identidade própria.

    Por outro, imaginar um mundo onde Magic, a IP, deixa de existir ou pelo menos deixa de ser o cerne do design e da ilustração do jogo cria um certo ar de apreensão, pois, apesar do amor pelo jogo ser aquilo que une as pessoas, é através de seus personagens e construção de mundo que elas se conectam e se expressam através dos mais variados meios: seja ao jogar de Mono Red Aggro no seu torneio de Standard, ou ao montar um deck de Vampiros para Commander.

    Particularmente, não acredito que Magic - a lore - vai deixar de existir porque abdicar de 30 anos de construção de mundo significaria também cortar uma parte importante das suas raízes e dificultaria, por exemplo, a inserção de cards que interagem com tipos de criatura e arquétipos históricos do jogo, além de reduzir o potencial de crescimento da marca Magic: The Gathering para fora do jogo de papelão colorido - mas o futuro é incerto, e estamos navegando em mares desconhecidos.